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Pescadores de São Mateus ainda vivem impactos da lama da Samarco quase 10 anos após tragédia

“Dá vontade de chorar”, diz Jerônimo Coutinho, que perdeu o barco e o sustento após o rompimento da barragem de Fundão.

São Mateus-ES – Quase uma década após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco Mineração S/A, em Mariana (MG), os impactos da lama tóxica ainda assombram comunidades pesqueiras no Espírito Santo. Em São Mateus, no Norte do estado, pescadores relatam perdas econômicas, ambientais e até de saúde causadas pelo desastre.

O pescador Jerônimo Nunes Coutinho observa os restos do seu barco encostado no quintal. “Dá vontade de chorar. Esse barco, eu pescava… Hoje, só existe os restos mortais”, lamenta. Desde que os rejeitos chegaram à região, em janeiro de 2016, a pesca nunca mais voltou ao que era antes.

Um crime que ainda reverbera

O rompimento da barragem em novembro de 2015 matou 19 pessoas e despejou 44 milhões de m³ de rejeitos de minério na bacia do Rio Doce. A lama chegou ao Espírito Santo meses depois, destruindo ecossistemas e impactando severamente o sustento de milhares de pessoas.

Se eu não tivesse outra renda, não saberia como viver”, afirma Adeci Sena, outro pescador local, hoje servidor público. Segundo ele, mesmo anos depois, em dias de chuva, o rejeito acumulado no solo se mistura à água e continua matando peixes e outros animais.

Estudo mostra abandono da pesca e aumento de doenças

Uma pesquisa publicada em 2024 por pesquisadores da Ufes e do Instituto de Pesca de São Paulo revelou que quase metade dos pescadores do Espírito Santo abandonaram a atividade após o desastre. Dos 441 entrevistados, 96% relataram impactos diretos.

Os danos também atingiram a saúde física e mental da população. Sena relata aumento de casos de depressão e câncer na comunidade, inclusive entre seus familiares. Dois irmãos morreram vítimas da doença, um deles em 2024 e o outro no início de 2025.

Manguezais, fauna e agricultura destruídos

A contaminação devastou os manguezais e as espécies aquáticas, como caranguejos, siris e camarões, além de afetar a agricultura local. Coutinho, que também produzia alimentos orgânicos e criava animais, perdeu parte do rebanho após os bichos beberem água contaminada. “Morreram todos. Até hoje não fui indenizado”, afirma.

Segundo ele, até as abelhas desapareceram da propriedade. O pouco que retornou à natureza — como por exemplo o caranguejo, não é mais consumido: “Contaminado, eu não quero pra mim, nem pros outros”, afirmou o pescador.

Samarco responde

Em nota, a Samarco informou que o município de São Mateus aderiu ao Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce, o que garantirá o repasse de R$ 197 milhões. Segundo a empresa, o processo de indenização segue em curso e os pagamentos começarão ainda em 2025.

Sobre a saúde mental das vítimas, a empresa afirmou que o atendimento psicossocial não está previsto no acordo, mas que as equipes sociais em campo podem indicar apoio especializado se necessário.

A nota também destacou que comunidades quilombolas de Sapê do Norte já começaram a receber os pagamentos retroativos do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), conforme listas validadas por ministérios federais.

Redação: Jornal ATV – A Tribuna do Vale o seu portal de notícias.